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  • Foto do escritorFederação Nacional dos Estudantes dos Cursos do Campo de Públicas

Reforma da Previdência: por que e para quem?


A reforma da previdência é um projeto de emenda constitucional (PEC), sob o número 287/2016 que segue em trâmite no Congresso Nacional, e visa a mudar as regras da previdência social brasileira. A principal justificativa para a proposição, segundo o governo federal é o ajuste nas contas públicas, já que a Previdência Social estaria operando de forma deficitária, situação tendente a se agravar com o envelhecimento da população brasileira.


Analisando-se o texto da PEC (que pode ser acessado pelo link: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2119881), percebe-se que as mudanças mais impactantes são aquelas que mexem com o regime de aposentadoria dos beneficiários. As principais delas são:

- Aumento da aposentadoria compulsória (mudança de fato já efetivada por meio de outra lei anterior) para 75 anos; - Aumento na idade mínima para aposentadoria voluntária, que passa a ser de 65 anos, com no mínimo 25 anos de contribuição, e a consequente extinção da modalidade de aposentadoria por tempo de serviço. - Tempo exigido de 49 anos de trabalho para se chegar a 100% da média de todas as contribuições realizadas. - Estabelecimento de regra para reajuste automático na idade mínima de aposentadoria sempre que a expectativa de vida da população aumentar. - Enrigecimento nos critérios para acesso à pensões, seguro-desemprego e auxílio em doenças graves.


Algumas outras observações são que para os trabalhadores rurais os tempos mínimos são reduzidos em 5 anos. Há também uma regra de transição estabelecida, apenas para mulheres acima de 55 anos e homens acima de 60, e que acumulam ainda uma série de requesitos exigidos na lei. A partir destas leituras prévias, há alguns elementos que podemos destacar na proposta e seus discursos.


O primeiro deles é sobre o discurso do déficit da previdência. De fato este é o principal mote por traz das diversas reformas em curso nas leis brasileiras, ou seja, o da “austeridade fiscal”. Sabe-se que o Brasil gasta mais do que arrecada, situação de fato, insustentável. Se considerarmos apenas de forma isolada a previdência frente a arrecadação de, há um déficit anual. Entretanto, a Previdência Social deve ser considerada dentro de um escopo mais amplo, que é o da Seguridade Social. Ela conta com recursos de diversos impostos, inclusive das contribuições previdenciárias para atender, além da Previdência, o SUS e a Assistência Social. Esta foi, de fato, superavitária em R$ 23,9 bilhões em 2015, segundo dados da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal).


Parte deste superávit é regularmente desviados para outros fins por meio de DRUs, renúncias e desonerações fiscais. Este número tende a variar um pouco em função da dificuldade em identifcar os dados precisos da Previdência, já que o orçamento não é apresentado de forma detalhada na aprovação anual da LOA (Lei Orçamentária Anual), ao contrário do que apregoa a constituição, além da forma contábil pouco clara como eles normalmente são demonstrados pelo governo. Parece que há sempre um interesse em provar um déficit, já que são desconsiderados fatores que impactam no cálculo. A nota técnica 163 do Dieese problematiza diversos destes aspectos e mostra os números que muitas vezes são ocultados nestas tabelas, e como as demonstrações podem variar bastante.


Sabe-se também que grande parte do problema da previdência está associado à privilégios e às referidas renúncias e desonerações fiscais. Hoje, segundo o DIEESE, há R$ 236 bilhões em dívidas ativas recuperáveis com a Previdência Social. Além disto, as desonerações sobre a folha de pagamentos nas empresas chegou a R$ 62 bilhões em 2015. O sangramento da previdência não termina aí, já que são bem sabidos os diversos privilégios pagos regularmente a determinados indivíduos na forma de supersalários e outros benefícios.


O tema da idade mínima para a aposentadoria é também de difícil digestão na forma em que está apresentado na proposta da PEC. A mudança para idade mínima de 65 anos na prática fará com que os brasileiros se aposentem mais tarde, já que hoje, segundo o ministério do trabalho, ela é de 58 anos. A exagerada pressão por aumentar a idade mínima na constituição perde, além disto, parte do sentido quando há estimativas atuais que este número se eleve naturalmente para 60 a 61 anos, considerando-se a projeção a partir dos atuais ingressantes no mercado de trabalho, perto das idades de aposentadoria dos países ditos ricos.


Com isto, a proposta da nova regra torna a aposentadoria mais restritiva do que em países como Alemanha, Bélgica, França e Canadá, que é de 60 anos. Deve-se levar em conta, entretanto, que o Brasil não está em pé de igualdade com estes países no que toca a expectativa de vida. Enquanto aqui a expectativa de vida é de 75 anos, segundo o IBGE, ela é de mais de 80 anos em qualquer um dos países “do lado lá”. Ou seja, a reforma daria um tempo de usufruto da aposentadoria para o trabalhador em torno de 10 anos, em contraposição aos mais de 20 anos nos países ditos mais desenvolvidos (e considerados portadores de uma previdência mais avançada, pelo menos no discurso oficial). Isto falando em média, já que para os homens, nordestinos ou moradores de regiões mais pobres a expectativa de vida chega a ser inferior a 70 anos, ou seja, seriam 5 anos de benefício.


E de fato também para muitas outras categorias de trabalhadoras e trabalhadores precarizados a aposentadoria passará a ser algo inatingível, já que o tempo de contribuição tem que ser de 25 (51%) a 49 anos (100%) ininterruptos. Na PEC há, ainda, um requinte adicional de crueldade: a ampliação da qualidade de vida, com o eventual aumento na expectativa de vida não desembocará em maior tempo de usufruto do benefício, já que a idade mínima passaria a ser reajustada na mesma proporção em que a expectativa de vida do brasileiro crescesse.


Vale destacar o contexto político atual e o que está por traz da proposta da reforma da previdência, onde pode-se especular sobre suas reais razões. A fartura de evidências demonstra que o que de fato a está norteando em primeiro plano não é a intenção de torná-la financeiramente equilibrada. Se assim fosse, diversos mecanismos de curto prazo poderiam ser adotados (via restrição à DRU, às renúncias e desonerações fiscais ou mesmo pela ação de cobrança de dívidas já recuperáveis). Na pior das hipóteses, mesmo aceitando-se o argumento do equilíbrio fiscal, esta reforma se parece mais um conta que está sendo jogada para o elo mais fraco da corrente.


Outros apontam também para um cenário que pode ser danoso para o país no longo prazo, se estas reformas avançarem, que seria a própria falência da previdência pública. Especula-se sobre a baixa atratividade que as novas regras teriam sobre aqueles profissionais que contribuem de forma autônoma. Com poucas expectativas de conquistar efeitvamente a aposentadoria, um caminho de dois seria tomado pelos potenciais contribuintes: ou ficar sem previdência alguma (ampliando o quadro da informalidade do trabalho no Brasil) ou optar por um plano privado.


Entretanto, diversas alternativas são apontadas para o sanamento das contas públicas. Uma delas foi construída pelas centrais sindicais, a partir de fórum público formalmente instituído em 2015 (cujos trabalhos foram interrompidos no atual governo), sintetizados na Nota Técnica 168 do Dieese, que prevê a ampliação de benefícios aos trabalhadores e a adoção dos mecanismos de restrição à sonegação fiscal.


De forma semelhante, um outro documento do Dieese (Previdência: Reformar para Excluir?) sugere uma série de medidas que envolvem um projeto de desenvolvimento para o país, a utilização de fundos soberanos de petróleo e gás e uma mudança no perfil das taxações e impostos, que sairiam do salário para ir em direção às rendas e riquezas financeiras. Uma segunda possibilidade, de caráter mais amplo é a discussão mais profunda sobre o perfil dos gastos públicos brasileiros, notadamente na sua maior fatia, que é a dívida pública. Neste sentido, há propostas em torno da auditoria cidadã desta dívida, cujos defensores estimam que a redução desta poderia ser de até 90% no seu montante, através eliminação de dívidas contraídas ilegalmente ou da revisão de juros que aprisionam o devedor (neste caso o Brasil) ao credor (na maior parte entes do sistema financeiro).


Por fim, há um quadro de instabilidade recente no governo brasileiro que não se pode ignorar neste momento. Muitos apontam que ele tende a arrefecer o ritmo das reformas, pelas instabilidade e perda de credibilidade do governo. Ao nosso ver é fundamental, entretanto, a vigilância e a pressão por parte da sociedade civil para que um projeto como este, que praticamente extermina o direito a um sistema público de aposentadoria não avance!


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*Eduardo Vivam da Cunha é Professor do curso de Administração Pública da Universidade Federal do Cariri.

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